A retórica da citação na Imagem da Vida Cristã, de Frei Heitor Pinto

Luís Fardilha

Resumo


Frei Heitor Pinto elaborou e fez publicar a sua Imagem da vida cristã quando o controlo da leitura e a censura sobre as obras impressas se acentuavam, na sequência das decisões tomadas pelo Concílio de Trento. Em 1559, quatro anos antes da edição princeps da Primeira Parte, o bispo de Coimbra D. João Soares fizera imprimir o Index auctorum et librorum do Papa Paulo IV, um claro sinal de endurecimento contra leituras e autores considerados susceptíveis de corromper a sã ortodoxia católica. Neste contexto, as palavras em que o autor renuncia a qualquer originalidade no seu texto poderão facilmente ser entendidas
tanto como uma afirmação de fidelidade à doutrina “aprovada” da Sagrada Escritura e dos “excelentes autores” que cita, quanto como uma prevenção contra eventuais acusações de desvios forçosamente condenáveis. No entanto, se enquadrarmos o uso recorrente à citação – praticada nas suas mais diversas formas – nas raízes mais profundas da espiritualidade que a obra reflecte, torna-se possível defender que a opção pelo discurso de outros feita pelo frade jerónimo não é mais do que uma representação retórica do rebaixamento individual imposto pelo ideal de humildade radical que persegue. Esta será, assim, a função retórica que a citação quase obsessiva desempenha numa obra em que o contemptus mundi constitui um elemento nuclear do ideal de vida cristã que o autor propõe.


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